quinta-feira, janeiro 25, 2007

O frio de Agelino!

Em noite de natal Agelino sentia frio. Isto começou quando ainda era novo, tinha lá seus três anos quando, na noite de natal, Agelino chorou. Chorar era comum, mas não naquele dia, daquele modo. O pai disse para a mãe deixá-lo chorando, que já havia brincado, banhado, comido e, por fim, sonado; devia ser bobagem. Mas o choro que vinha do quarto de Agelino era um choro frio, duro para aquela noite de natal. No ano seguinte foi a mesma coisa, só que agora ele se levantara e correra para os braços da mãe dizendo: - Ta flio, ta flio! Foram suas primeiras palavras. Demorou um pouco para que sua mãe percebesse essa anomalia. Toda noite de natal, Agelino sentia frio.
Quando era adolescente foi passar seu natal na casa dos avós. Com os pais separados naquele ano, passara o natal com os avós. Sua mãe antecipou-se e colocara no fundo da mala um agasalho de frio. Nas noites de natal Agelino deveria ter contigo um agasalho de frio. Num dos natais a festança foi numa fazenda com piscina, churrasqueira e várias pessoas de parentescos diversos. Naquele ano o calor era insuportável, todos, após o horário de cinderela resolveram envolver-se num penoso jogo, semelhante ao das brigas de galináceos, empurrando um ao outro na rasa piscina. Enquanto Agelino guardara-se friorentamente dentro de um robusto agasalho de lã, primos de sangue distante tentaram, alcolizadamente, convencê-lo a jogar-se. O dito sequer se mexera, demonstrara apenas tics rápidos no ranger de dentes. Os mais atléticos o pegaram pelo braço e sem se preocuparem com sua aflição iniciaram a típica contagem regressiva de quem, de alguma forma, tenta afligir a vítima que, neste momento, roga socorro. Mas Agelino negara a humilhação, não implorara socorro nem pedidos, mas esbofeteara todos ao redor. Era tapa, era soco e pontapé pra tudo quanto era lado sem medição de força ou distância. – Oh....bá....êh boi! Gritara um caubói. Assim, aos vinte e dois anos, diante do regalo familiar, Agelino perdera a namorada e, quase, a família.
Aos trinta anos ele já tinha várias artimanhas para driblar o frio...ou o natal. Sentindo que as faltas não eram bem vindas, Agelino encontrou recursos menos ortodóxicos. Num certo natal embebedou-se pra esquecer o problema, perdera a segunda namora pelo mesmo motivo. Noutro endividou-se, mas levou toda a família para os montes serranos, friorentos; assim, todos deveriam agasalhar-se, também. E, ano a ano, Agelino foi resolvendo seus problemas. Num deles improvisou uma fogueira no quintal, distribuindo quentão e vinho quente, transformara o natal em festa Junina. A família já se acostumara.
Mas um dia, e sempre tem este dia. Chegou em casa disposto a transgredir a noite de natal contratando uma bahiana para fazer acarajés. Pensara que a pimenta resolveria o problema do frio. Mas não havia como. O presépio estava armado, a árvore com bolas de vidro, mesa de frutas, presentes e toda parafernalha natalesca. E devido a habilidade em driblar as noites frias de natal, Agelino perdera o antigo hábito, de levar no funda da mala, roupas de lã. Agelino não escapou. Sentiu frio como nunca antes. E naquela noite Agelino, como começou a sentir dores. Dores nos ossos. Dores nos músculos. Dores sem fim.
Isolara-se num quarto de fundo, procurando, no desespero das pontadas algo que pudesse agasalhá-lo. Encontrou um quarto com tralhas da família, cochonete, tapete. Esvaziou uma caixa de papelão, rasgou-a, cobrindo-se. Tremia com o desespero da morte. Já não se preocupava com as dores. E por tanto hábito daquela anomalia não gritava, nem sequer gemia. Tem sempre o tempo na vida que percebemos que nos acostumamos com as coisas. E nos acostumamos tanto que nos acostumamos com as dores, com as pancadas e de tanto se acostumar, não pedimos ajuda. Agelino sofria sozinho.
No chão bagunçado um mapa do país, dobrado, velho, sem novidades. Agelino fechou os olhos, tremendo de frio, deitou-se ao lado dele. E com a boca arrancou um pedaço de papelão, pequeno e o cuspiu onde deveria ser seu destino. Pensou que se vivesse aquele dia iria viajar para este lugar, o lugar encontrado pelo pedaço de papelão, o destino do vento, do peso da saliva, do atrito da poeira, da velhice, do que viesse, fosse onde fosse seria seu destino. Prometeu, fez juras silenciosas, orou, agradeceu.
Ao abrir os olhos Agelino viu a água espumada, sentiu a mão afundar na areia molhada, sentiu o peso do corpo voltar. Esfregou os dedos dos pés sentido a água do mar. Agelino levantou a cabeça e perdeu-se na distância da água. Franziu a testa, o sol forte, levantou-se nu. Sorrindo, Agelino correu pro mar.
Para Vanina, com muito carinho!

terça-feira, janeiro 23, 2007

Hoje, Tommy Wonder


Ele nasceu dia 29 de novembro de 53 e em 26 de junho de 2006 numa luta contra o câncer de pulmão faleceu, mestre em close-up e magia de palco. Tommy Wonder fez teatro, dança e muito cedo conheceu as artes mágicas. Ganhou Word Championship of Magic em 79 e 88. Em 98 recebeu o prêmio Performer Fellowship Award e em 99 ganhou Best Sleight of Hand Performer, ou seja, incomparável. Mais que currículo, Tommy Wonder é exemplo de mágico, tanto diante do estudo como diante do público e, talvez, um tanto mais diante das artes mágicas. É importante estudar e ouvir Tommy Wonder falar. Nesta rotina de covilhetes por exemplo, é lindo ver como ele chegou em cada movimento, como desenvolveu a rotina, com todas as “justificativas” e “problemáticas” possíveis, cada passe, empalme, movimento, misdirection...é sem dúvida uma aula.

Bem, façam suas próprias observações; com vocês Tommy Wonder!